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Mostrando postagens de janeiro, 2020

O outro lado do rio

Quando se era moleque aqui por essas bandas atravessar o rio Irituia era como um ritual sagrado. Um divisor de águas em nossas vidas. Um momento em que enfrentávamos, sozinhos, cada um ao seu tempo, o grande medo! O medo das águas, O medo da morte, O medo do boto Atravessar o rio era como ser parte dele, finalmente ser parte dele. Do grande rio Irituia, de águas secas e de grandes cheias... Do rio do peixe, da cobra, do banho, do banzeiro, do pescador... Atravessar o rio era ser um pouco mais corajoso só quem conseguia atravessa-lo podia chegar até o barro O barro branco/cinza que é a argila do outro lado Ouro e arte nas mãos dos que dela sabem se aproveitar Do outro lado do rio era que as coisas aconteciam boa parte da pira que se brincava ocorria do outro lado Lá era o lado dos destemidos das trilhas na mata da guerra de barro... Atravessar o rio não era só aprender a nadar era muito mais que isso havia uma certa mágica naquilo lá do outro lado tinha o ci

Soldado e ladrão

Será que todo mundo conhece que há uma brincadeira com esse nome? Soldado é quem sai pra prender e o ladrão é o que foge e quer "na mãe bater"! Que infância legal brincamos muito éramos muitos Toda noite tinha Formávamos os times decidíamos quem seria a policia decidíamos quem seria o ladrão havia mil estratégias tanto pra fugir quanto pra prender Por Irituia toda valia era um corre-corre danado pulava-se quintais escondia-se no escuro Tudo aquilo ali era um universo único aprendia-se a ser grupo, a criar estratégias, ria-se muito... Tantos amigos daquela época hoje espalhados pelo mundo por toda parte tem gente mas foi na infancia em Irituia que aprendemos a ser gente Pois é nessa lembrança gostosa que regamos a esperança de que nossos filhos possam também terem uma infância. Pois hoje o mundo anda mais louco a loucura está na palma da mão em vez de correr na praça a criança corre pra por o celular na mão.

Pira-cola no rio Irituia

A galera de hoje talvez não saiba, mas as da minha geração vão lembrar Esse rio já serviu de disputa entre os que fugiam e os que iam colar Éramos mais de vinte toda tarde valia por toda parte do poção ao Arirambar Nadava-se muito corria-se no mato mergulhava-se entre os troncos passava-se entre os galhos Tudo lúdico água, terra e mato A tarde era rápida assim como qualquer alegria nossa "pira" era sagrada enquanto a tarde caia os olhos ficavam vermelhos de tanto querer enxergar por debaixo mas por baixo havia areia suspensa e liso era de argila o outro lado  Era possível colar alguém num fôlego havia quem conseguia um era o Tampa que por baixo d'água ninguém via Pulávamos da ponte valendo um "mata" quem ia por primeiro tinha que ter força na passada Tudo acontecia por ali pelo entorno do arirambar Nosso mundo era tão pequeno pequena era nossa vida Nos satisfazia esse banho de rio éramos felizes quanta alegria

Saudade do carimbó de Irituia

Quando vai chegando janeiro vai dando logo uma cuira nas pernas sabe-se de longe que chegou a hora Cortam-se os paus e as palhas Fincam-se os paus Trançam-se as palhas Já chegará também as chuvas por isso o barracão de palha De longe o irituiense, filho da terra que foi à luta sofre do banzo, da mesma tristeza do negro arrancado de casa Banzo é tristeza e saudade da terra um sentimento quase de doença na alma é assim o carimbó pra quem tá longe Um relembrar triste das grandes alegrias das festas Soltos mundo a fora, os irituienses crescem compram suas coisas, batalham, casam, criam seus filhos, criam e realizam sonhos... Amadurecem. Mas quando chega janeiro é sempre a mesma coisa o banzo aparece Uma saudade daquela gente daquele batuque do canto desafinado do mestre da rima das coisas da terra do cheiro das coisas da terra Começa o carimbó na sexta e o tempo parece embaralhar-se ao fechar os olhos o irituiense sonha acordado rodopiando e descendo

Som de Tupã

Os tambores ressoavam dentro da mata Como os trovões de Tupã Pau oco furado na mata Batuque de preto som de Tupã O coro esticado na ponta do tronco a cuia na ponta do pau o grito do preto amarrado no tronco é o som do tambor transcendendo o real foge o preto foge o índio foge Olorum foge Anhangá No batuque sincopado, No som da flauta de bambu   Na letra do mestre Na dança dos pares Na roda que gira No Santo que esmola Ainda se bate o tambor é possível perceber que aquele som ainda vive É um som pesado Grave! Som de trovão Ele aparece junto com as chuvas e com as cheias das águas carregado do peso da tradição.