EU NÃO FUI PARIDO, EU FUI PESCADO (HELTON JONES ROCHA)
O que somos
vem do rio
Toda nossa
molhada identidade!
Formos
forjados através destas águas.
Quando para
nascer, fomos pescados.
Postos a
nadar.
Linha na
mão, proa de canoa,
Matapi,
espinhel e a camina.
Somos filhos
de Boto.
Eu não fui
parido
Eu fui
pescado.
Trouxeram-me
de longe
Eu sou dos
primeiros homens
Trouxeram-me
feito peste
Eu sou das
ultimas mulheres
Meu útero é
aquático
Eu tenho sim
esse “piché”
Sou filho de
Bota
Sou bom de
fêmea
Eu não fui
parido
Eu fui
pescado.
Esse espelho
d’água
É meu
caminho e minha morada
Sou todo
peixe e todo pescador
Sou as
histórias dos ribeirinhos
Sou a grande
embarcação
O voo
rasante do passarinho
Mas antes de
tudo isso,
Sou filho de
boto.
Eu não fui parido
Eu fui
pescado.
A minha pele
escamosa,
O meu cabelo
duro de rio,
Meus olhos
arregalados da tipitinga
Tudo vê e
sente.
Eu dependo
do rio
Eu sou esse
rio que morre
Sou filho
desse boto Tucuxi
Eu não fui
parido
Eu fui
pescado
Cá estou definhando
junto contigo
Meu rio
amado.
Meu Cacuri,
Fácil de
entrar, difícil de sair.
Ainda hoje,
tuas águas misturam o tempo.
Presente e
passado perdem o sentido,
Em cada
mergulho eu sinto esse rio,
Como quando
menino.
Eu sinto a
ancestralidade
Dos que vieram
antes de mim
Eu me sinto
esse boto lendário,
Que é rio,
bicho e gente.
EU NÃO FUI PARIDO
EU FUI PESCADO.
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